notas
para o diário
deus
tem que ser substituído rapidamente por poe-
mas,
sílabas sibilantes, lâmpadas acesas, corpos palpáveis,
vivos
e limpos.
a
dor de todas as ruas vazias.
sinto-me
capaz de caminhar na língua aguçada deste
silêncio.
e na sua simplicidade, na sua clareza, no seu abis-
mo.
sinto-me
capaz de acabar com esse vácuo, e de aca-
bar
comigo mesmo.
a
dor de todas as ruas vazias.
mas
gosto da noite e do riso de cinzas. gosto do
deserto,
e do acaso da vida. gosto dos enganos, da sorte e
dos
encontros inesperados.
pernoito
quase sempre no lado sagrado do meu cora-
ção,
ou onde o medo tem a precaridade doutro corpo.
a
dor de todas as ruas vazias.
pois
bem, mário - o paraíso sabe-se que chega a lis-
boa
na fragata do alfeite. basta pôr uma lua nervosa no
cimo
do mastro, e mandar arrear o velame.
é
isto que é preciso dizer: daqui ninguém sai sem
cadastro.
a
dor de todas as ruas vazias.
sujo
os olhos com sangue. chove torrencialmente. o
filme
acabou. não nos conheceremos nunca.
a
dor de todas as ruas vazias.
os
poemas adormeceram no desassossego da idade.
fulguram
na perturbação de um tempo cada dia mais
curto.
e, por vezes, ouço-os no transe da noite. assolam-me
as
imagens, rasgam-me as metáforas insidiosas, porcas. ..e
nada
escrevo.
o
regresso à escrita terminou. a vida toda fodida - e
a
alma esburacada por uma agonia tamanho deste mar.
a
dor de todas as ruas vazias.
Al-Berto
Horto
de Incêndio
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